O Jogo da Amarelinha

O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7
(Trecho do romance escrito por Julio Cortázar em 1963. Tradução de Fernando de Castro Ferro)

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você. Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.


Eu não li "O jogo da Amarelinha" (Rayuela no original), mas com certeza pretendo lê-lo, ainda mais depois de ler algumas resenhas, que resumo aqui:

"O assunto principal, não é sobre os personagens, apesar destes serem muito bem trabalhados com capítulos sobre seus cacoetes, suas manias e suas vidas. O assunto principal é o próprio livro. Em sua obra-prima, Cortázar discute a prosa romântica e a detona, para depois resgatá-la.

Nas palavras do próprio autor, “esse livro é muitos livros, mas é, sobretudo, dois livros”: o leitor pode começar do capítulo 1 e ir até o 56, tendo assim uma bem construída história sobre um triângulo amoroso sobre a história de amor entre um estudante argentino e uma estudante uruguaia, mãe solteira, sua convivência em uma Paris romântica, com relatos das maiores trepadas da literatura moderna, as maiores discussões a respeito de relacionamentos, destino, além do amor, essa palavra. Ou então pode encontrar outra história, seguindo uma segunda sugestão do autor: Ler o capítulo um, em seguida pular para o 62, de volta para o 13o, pula para o 44o e assim por diante. Tudo misturado, pulando capítulos para depois voltar aos mesmos, como se fosse um verdadeiro jogo de amarelinha.

Julio Cortázar (1914-1984), argentino nascido na Bélgica simplesmente escreve um texto, rasga-o em mil pedaços e depois lhe estende a mão ao lago onde está jogado, para que tudo se misture numa reunião de assuntos, idéias e temas."

(síntese minha, recortado de resenhas e comentários sobre o livro, encontrados em Wikipedia, LeiaLivro e Pessoas do Século Passado)